Dr. Paulo Caliendo, Advogado e Professor da PUC/RS, fala sobre o assunto em mesa coordenada por Melissa Guimarães Castello, Presidente da FESDT

No IX SEMAAT, o palestrante Paulo Caliendo contextualizou a mudança tributária, destacou alguns pontos da mudança em relação ao contencioso e, ao final, destacou alguns desafios futuros. “Quando nós falamos em uma reforma tributária, nós não estamos mais falando dos últimos 20 anos que correram numa velocidade estrondosa, para mim, talvez não para os colegas, mas para mim, as mudanças sucederam num ritmo frenético. Nós estamos falando de uma reforma tributária que é para os próximos 30, 40 ou 50 anos. É a reforma tributária da nossa geração e as cinco décadas subsequentes irão estudar o que nós estamos fazendo. E que esta geração, tal como a geração anterior, está deixando um legado para as próximas, e que é objeto de muito debate, de muita crítica, e que a construção dessa reforma tem sido feita como foram as anteriores.

Para o palestrante, a reforma tributária tem alguns vetores que a conduzem e que vão conduzir o tema do contencioso. “O primeiro drive que eu vejo, que é inegável, é a mudança tecnológica. Nós temos uma mudança tecnológica em curso que é profunda e que faz com que surja, na minha opinião, não sei na opinião dos colegas aqui, um novo modelo de tributação que eu chamaria de poder artificial de tributar. O poder artificial de tributar não é mais aquela fiscalidade como fazia o meu pai ou como fazia um bancário que calculava na boca do caixa, na mão ou na calculadora, os valores a serem pagos. É um modelo de tributação baseado em algoritmos e sistemas eletrônicos. Será que a nossa geração vai conseguir acompanhar esse ritmo de mudanças? Nós vamos ser obrigados a essas mudanças que vão ocorrer nos próximos 10 anos de forma inexorável.”

Caliendo afirma que o novo contencioso previsto será um contencioso em plataforma, tal como a lei do governo digital designa a necessidade de plataformização dos serviços públicos. Ele será realizado de modo virtual. “Se perguntarem onde estarão as sessões de julgamento do Comitê Gestor do IBS no Brasil, e nós vamos dizer, não estará como no CARF, em Brasília, numa sede física propriamente dita, mas ele será essencialmente uma plataforma. Isso tem grandes vantagens. Tem vantagens de custo, que nós não vamos inchar uma máquina em relação à matéria. Nós vamos ter uma plataforma de auxílio ao julgador, e eu nunca me esqueço que eu fui julgador do CARF, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que é um conselho federal, em que já estavam, na época que eu fui conselheiro, implementando processos administrativos eletrônicos, e relatavam como era anteriormente, que eram feitos em papel. Com o processo eletrônico no CARF, os controles aumentaram, bem como as estatísticas e os resultados, e a possibilidade de acesso ao contribuinte e do físico em relação à matéria.”

Em uma segunda questão, o palestrante abordou a discussão sobre mediação, conciliação e arbitragem para processos complexos em matéria tributária, que é algo totalmente inovador e fundamental em alguns setores, segundo ele, principalmente em casos de planejamento tributário internacional. “Mas também a ideia é que nós vamos ter resolução de litígios de forma online, que eles chamam de ODS, Online Dispute Resolution. Isso ocorre, de certa forma, já, de forma embrionária, no nosso SPED, quando nós falamos lá do eixo social que a maioria dos municípios já implantou ou está em fase de implantação no país, na discussão de alguns aspectos. Então, eu diria que este outro drive de entendimento do papel do Estado, da administração, talvez mude a percepção de muitos, inclusive a minha. Cada vez mais o Rio Grande do Sul e Porto Alegre precisam de uma visão diferenciada, porque nós não teremos, na aprovação da reforma e na sua implementação, aquele instrumento poderosíssimo de atração de investimentos, mas também destruidor de eficiência econômica que eram os incentivos fiscais que nós tínhamos anteriormente. A eliminação dos incentivos fiscais, defendida por muitos economistas e por mim durante muito tempo, não passará a ser mais um fenômeno de, na minha opinião, disfunção na alocação econômica de recursos. Mas nós vamos precisar mudar um pouco a percepção, a estrutura do Estado, simplificá-lo e assim por diante. Portanto, esse é o segundo drive. Um drive de um olhar diferente ao contencioso.”

Em uma terceira observação, o palestrante citou o fato de que, pela primeira vez, cria-se um federalismo cooperativo. “A nossa reforma tributária de 1965 foi feita por uma comissão de especialistas, que participaram dessa comissão especial do Governo Federal, como Mário Henrique Simonsen e outros. Era uma comissão de seis juristas e, em seis meses, apresentaram o projeto ao Congresso Nacional, via aprovação no Ministério da Fazenda.
Quando nós olharmos a reforma tributária feita no Brasil agora, nós podemos olhar que ela cumpre alguns requisitos anteriores. Agora, temos a aprovação da Emenda Constitucional nº 132, em 2023, com a PEC nº 132, depois nós temos os PLPs que estão em discussão no Congresso e, posteriormente, nós teremos as normas infraconstitucionais subsequentes. Mas, naquele momento de aprovação, houve um esforço tremendo de diversos setores que estavam em debate, nós tivemos a aprovação da emenda e a reunião, pela primeira vez, que eu tenho conhecimento, pela primeira vez na vida, nós tivemos os três níveis da federação, União, Estado, Distrito Federal e Municípios, com as duas principais carreiras envolvidas em finanças municipais e federais estaduais, que são os auditores e os procuradores, em um número que chega a quase 300 especialistas, reunidos para debater os mais complexos detalhes da economia nacional, como sistema financeiro, sistema imobiliário, setor da saúde, importações e exportações, e, portanto, para debater todo o modelo econômico do Brasil em um espaço de debates intenso, em que auditores, lado a lado com procuradores dos três níveis em que a voz de um auditor municipal tinha tanto valor e força quanto um auditor federal. É um desafio muito grande, mas é um desafio que vai nos dar para o país um salto de produtividade, de neutralidade, de eficiência na arrecadação.”